segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Vamos andar de trem?!

Vamos passear de trem?

Foi com esta pergunta que meu pai abordou Heitor neste último sábado. Almoçávamos. Um almoço sem muitas expectativas. Simples e caseiro. Gostoso. Mas sem muitas promessas. E de repente meu pai saiu com essa. Eu, cá com meus botões, sem querer bancar a chata, pensei: ora essa, andar de trem?! Trem, não, você quis dizer Metrô! E quem veria diversão em andar de metrô?! Imediatamente recordei-me dos relatos dantescos de Edileuza, nossa empregada, acerca de suas aventuras rumo ao trabalho e no retorno à sua casa. Empurra pra lá, empurra pra cá. Aperta que cabe mais um. Cuidado com a mão boba. Respira pra suportar o pum. Encrenca com a estressada da vez. Piadinha do machão do dia. E muita paciência para suportar o trajeto que, apesar de rápido, parecia durar um dia. 

Definitivamente andar de Metrô não era um passeio. É cláro - óbvio -, que eu já havia andado de metrô. Mas foi por necessidade e força das circunstâncias. Por pura obrigação. Como poderia, então, haver alguma diversão?! Ok, ok. Como eu disse, eu não queria bancar a chata. Coloquei o melhor sorriso possível naquela situação, respirei fundo e tentei entrar na sintonia da animação esfuziante dos meus pai, marido e filho. É, nós íamos andar de metrô. 

Raphael - o marido -, lembrou-se, então, do Museu do Metrô, na Velha estação, o qual havia sido reinaugurado a pouco. Eu não sabia, mas, neste momento, pequenos traços de memória, tímidos ainda, começaram a brotar em minha mente. Pedaços esquecidos da minha história. Em minhas andanças, eu sempre passava pelo museu da estação velha e nutria uma pequena tristeza pelo seu abandono. Ali, trancadas naquelas imensas portas de ferro, também estavam reclusas doces lembranças da minha infância. 

Seguimos de carro até a Casa da Cultura, outro ponto turístico do meu Recife. A casa, que já foi lugar de medo e exclusão, quando da escravatura e da ditadura, hoje abriga cor, beleza e história viva. Deixamos o carro no estacionamento e seguimos a pé para a Velha Estação. Na entrada, muito lixo e sujeira. E isso inquietou meu coração. Como podem os cidadãos não cuidarem de um patrimônio que conta um pouco sobre como nos tornamos a sociedade que somos hoje?! Perguntas que ficaram presas na garganta, sem respostas aparentes. 

À porta, uma moça estranha, de aparência peculiar, cabelos louros e sorriso esquizofrênico nos aguardava. Simpática. Estranhamente simpática. Provida de toda esta esfuziante simpatia, ela nos guiou ao interior do museu, onde fomos sugados para um túnel do tempo. Cenas de um passado distante começaram a pulular na minha mente e, então, eu entendi a beleza do convite feito naquela tarde. Quando eu era criança, meu pai e avós paternos me guiaram por aquele mesmo passeio - indo ao museu e depois ao passeio de trem. Até os gatinhos, os quais adotaram as velhas locomotivas como morada, estavam lá. 

Eu lembrei do som da voz do meu avô e até do toque macio das mãos da minha avó. Um sorriso juvenil do meu pai tomou minha tela mental. E, de repente, eu o enxerguei jovem e barbudo, sorrindo candidamente o mais belo dos sorrisos. Foi difícil conter as lágrimas, mas eu sou durona. Também não queria intervir na mágica daquele momento. Enquanto meu pai se divertia lembrando das vezes em que andou em locomotivas como aquelas, eu me emocionava com cada nova descoberta. 

Lá, havia uma sala dedicada às pessoas que trabalhavam duro na construção das pesadas pelças de ferro. No antigo vídeo, ainda em preto e branco, funileiros teciam as engrenagens que levariam a modernidade pelos trilhos, Brasil a fora. "Eita, que eu me lembrei de uma pessoa...". Embevecido, olhar distante, meu pai sorria um sorriso bobo e saudoso enquanto lembrava ele mesmo do seu próprio pai. Seu pai. Meu avô. Figura cara das minhas memórias. Minha referência. Meu amigo. Meu melhor amigo. Meu avô. Que passeio especial era esse!! 

A partir daí, andar de metrô tomou um gosto diferente. Do museu, partimos para a estação, onde as lembranças estavam, agora, pulando felizes ao meu lado. Em lembrei do colo da minha avó e da felicidade gigantesca por estar ali. Do espantamento com a rapidez do trem. Da felicidade que uma criança sente quando frente a frente com o novo. Tentei passar ao meu filho um pouco daquela sensação que, de repente, me tomava de assalto. Fui preenchida pelo som dos meus próprios sorrisos infantis. Pelo cheiro do abraço da minha avó. Pela felicidade no sorriso de outrora do meu pai. 

Tão rápido quanto começou, o passeio terminou. De volta à velha estação, eu era outra mulher, outra mãe, outra filha. Aquele passeio de metrô havia aberto, em mim, pequenas instâncias de memória que estavam perdidas eu nem sei por quê. Vamos andar de metrô?! Vamos andar de trem?! Vamos ser felizes!

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