terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Vamos falar de amor, amor?

Quando eu era ainda uma criança, dessas meninas bem gordinhas, tímida, bicho do mato, eu sonhava com um amor de novela. Reclusa no quarto escuro, eu sonhava com os príncipes que iriam me resgatar da torre da bruxa. Ela - a bruxa -, reunia em si toda a rejeição e preconceito sofrido por uma pessoa fora dos padrões. Em casa eu era a menininha dos cachinhos perfeitos; do lado de fora, na boca do outro, eu era a criatura fora dos padrões que enfeiava a paisagem e servia para descarrego das tensões do dia. E eu chorava e sofria por não me encontrar nessa dualidade.

Cresci sonhando com um cara perfeito. Pelo tempo de sofrimento eu nunca aceitaria menos. não, de jeito nenhum! O cara dos meus sonhos tinha que ser simpático, desenrolado, fiel, sedutor, ter dinheiro, bom gosto, apartamento próprio e carro na garagem. Nessa época, eu acreditava que, aos 25 anos, estaria formada, ganhando vinte mil por mês, apartamento montado, executiva bem sucedida e, claro, marido gato do lado.

A adolescência, meu Deus, foi um martírio. Já mais amadurecida, eu compreendia que a menininha dos cachinhos lindos  fora um devaneio louco de dois pais apaixonados. Corujamente apaixonados. Ficara, então, só a menininha gorda, tola e abandonada. Sonhar com o príncipe encantado não era mais uma opção. A época de namorar, de ser cortejada, havia chegado e tudo era só sofrimento. Dos meninos pelos quais fui apaixonada, nenhum nunca quis nada comigo. E se quis, manteve em segredo pois a vergonha de namorar com a gordinha da sala era maior do que qualquer sentimento. Eu seguia sonhando, entocada no quarto escuro, mas com a cruel sapiência de que os cavaleiros alados das minhas fantasias eram apenas projeções fantasmagóricas de uma cabeça assombrada pela solidão extrema.

A experiência de ser gorda na adolescência foi traumática. No meu peito, criou a certeza de que não somos nada se não tivermos o corpo sarado, cabelos sempre loiros, andar sensual e olhos misteriosos. E assim, provida de todas essas "verdades", eu parti em busca de uma transformação sem precedentes. Aos 17 anos de idade, eu queria ser outra pessoa. Em três anos a transformação estava completa: menos 40 quilos, pernas e barriga saradas, cabelos em dia, boca carnuda e andar sensual,

O único problema era a cabeça. No afã de ser a outra, eu esqueci de cuidar das ideias e acabei mantendo-as vivas, porém quietas, no mais recôndito do meu ser. Lá, aprisionadas, elas cresciam em tamanho e proporção, fazendo-me, inconscientemente, procurar em todos os caras por uma perfeição inexistente e profana. Mas, ora bolas, eu havia me tornado a garota perfeita. Por quê. então, não haveria de procurar pelo senhor perfeição?!

Acontece, e todo mundo deve saber disso, que a perfeição é uma falácia. Uma mentira mal contada por gente insegura e desocupada, tentando esconder-se nos padrões mais plásticos. Assim, não foram poucas as vezes nas quais quebrei a cara. Muitas foram as decepções, as cobranças extremas, as bolas fora até que o meu coração, por fim, aparasse as arestas e se abrisse para o amor verdadeiro.

O amor, como bem escreveu uma amiga, é um bicho simples. Alimenta-se da singeleza, do corriqueiro, do cuidado que acontece nas pequenos gestos. Nasce de pequenas vontades diárias de estar junto, de passar pelas dificuldades de mãos dadas. O amor verdadeiro, quando necessário, quebra o espelho, transformando ditas imperfeições em detalhes únicos. Ou, quando presencia o sofrimento do outro, faz de um tudo para ajudá-lo a encontrar-se no meio do temporal.

Esse amor, que não é artífice, perdoa, edifica e constrói. Vai buscar o pão na padaria, come cachorro quente, anda de õnibus, tudo para lhe ver mais bonita. Luta pelos sonhos junto. Acredita na verdade das suas apostas. Se joga nas aventuras, acorda às cinco da matina e vislumbra um futuro promissor em cada pequena vitória.

(Mariana Lira)

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