quarta-feira, 21 de junho de 2017

Deus não joga cartas




Hoje foi a primeira vez, em muito tempo, que eu me olhei no espelho e vi o reflexo de uma mulher de 35 anos. Observei atentamente cada pequena ruga e marca de expressão; as manchinhas deixadas pela gravidez; a flacidêz que já começa a dar sinal; um fio de cabelo branco sobre a tez opaca. Confesso ter vislumbrado um tico de tristeza nestes olhos, os quais já viram tanta coisa e cegaram-se para tantas outras. Pudera. Ainda ontem eu havia enxergado a menina de 20 anos que um dia eu fui. Hoje, parece ter partido para ver outras paisagens. Ou simplesmente seguiu seu caminho, permitindo que agora eu siga o meu.

O ontem foi um dia difícil. O dia D. O dia que eu esperava que nunca acontecesse. De uma hora para outra, vi meus castelos de areia ruírem, tal e qual eu temia a tantos anos. Evitei muito. Acreditei em histórias as quais somente aconteciam na minha cabeça. Acho que foi um processo necessário frente aos muitos percalços os quais já enfrentei. Sem querer, aquelas estórias me ajudaram a manter a sanidade em tempos os quais, eu tenho certeza, qualquer outro piraria. Eu pirei. Mas só por alguns momentos.

Eu até quis chorar. Juro. Queria sentir a magnitude de ser abandonada por aquelas narrativas fantásticas. Acho mesmo que tinha a obrigação de sentir em demasia aquela nova despedida. Mais uma. Uma lágrima caiu, solitária e crua. E dissipou-se, nua, nos poros muito abertos da minha pele já muito gasta. Aquela lágrima, tão pura e casta, foi tudo que eu consegui verter naquela partida. Era eu que partia, estranha e incrédula, para a vida que eu neguei a vinte anos atrás.

Eu juro que eu queria sentir mais. Arraigar dentro de mim tudo isso que ficou estático, paralisado, suspenso. Foram vinte anos de um turbilhão silencioso, corroendo minha paz, meu sono e meus caminhos. Foram muitos porquês não respondidos; muita culpa represada; muita felicidade perdida. E no fim... Nada. Não tinha nada. Mais nada. Para não ser injusta, havia (há) um carinho, um cuidado, um resquício de amor estranho, o qual somente quer a felicidade e o bem estar do outro. Talvez eu tenha amado de verdade. Essa é a verdade nua e crua.

De repente, eu percebi que Deus não joga cartas. Que as coisas se deram como deveriam, na medida das possibilidades dessa vida louca a qual nos joga de um lado para o outro, como se fôssemos bonecos de pimbolim. Deus não está para brincadeira. Não existe acaso, sorte ou azar. Apenas existem caminhos os quais precisam ser percorridos, lições que precisam ser aprendidas e ensinadas. Realidades as quais precisam nos absorver, por completo, para que saiamos, então, mais fortes, mais crentes e renovados.


E, embora eu ainda não me saiba feliz ou triste, creio mesmo ter sido uma dádiva (re)viver tudo isso. Ter a chance de fazer o que lá atrás não foi possível. E criar novos laços – muito mais fortes – os quais de fato nunca serão rompidos. A mágica de tudo isso é não dramatizar; poder estufar o peito e afirmar que valeu a pena; que eu saio mais forte do que fraca; e que de fato a vida me deu mais um presente: a oportunidade de seguir em frente, pois já não há mais correntes que possam me frear. Paz?! Não sei ainda. Mas estou tranquila, lépida e de alma lavada. Estou límpida.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

É a porra do Brasil

"Que país é este?!" Perguntou-nos, um dia, o grande filósofo da modernidade, Renato Russo. Da platéia, uma multidão de jovens esquecidos pelas entidades políticas e públicas, e com suas esperanças de futuro destroçadas por fatores como o aumento do desemprego e da violência, respondia, numa revolta inconsciente e explosiva: "é a Porra do Brasil!!".

E hoje eu me pergunto qual a nossa real parcela de culpa para toda esta desesperança e esta revolta? Que país é este? Lá fora, nos países ditos de primeiro mundo, por preconceito ou por verdade, as informações que circulam ao nosso respeito são deploráveis. Somos mal-educados, doidivanas e permissivos. Até poucos anos atrás, o que se divulgava do país eram imagens de prostituição e violência. Em tempos de crise ambiental, circulam, na Europa, adesivos que dizem "Salvem a Amazônia. Matem um brasileiro".

Que país é este? Até quando colocaremos esta culpa malfadada nas mãos de nossos líderes? Até quando nos esquivaremos da real responsabilidade que temos com relação ao crescimento e desenvolvimento do nosso país? Enquanto ficarmos criticando nossos gestores por demitirem ladrões de dinheiro público e não nos conscientizarmos do nosso próprio comodismo e absoluta ignorância, seguiremos como patos amarelos e inflados em meio à turba.

O país está a beira do caos. Todas as instituições estão desacreditadas. E nós, nos achando espertos, seguimos fazendo paródias e piadas infames com os 3 poderes, que deveriam ser o cerne da nossa existência enquanto nação. O judiciário vendeu a definitividade de suas decisões; o legislativo legisla em proveito próprio, integrado por patifes eleitos pelo povo e que usam tal prerrogativa para atender às próprias demandas. O executivo, meu Deus, este está fodido mesmo.

Depomos uma presidenta legalmente eleita, honesta, que não cometeu crime de qualquer ordem. Foi, inclusive, inocentada pelo TSE em decisão histórica no sistema judiciário tupiniquim. Entretanto, como este mesmo sistema não tem o poder de reformar decisões políticas, seguiremos com um autêntico criminoso a comandar a orquestra desafinada destes dias hostis.

Que país este?!? Este é o país o qual esqueceu-se dos anos de chumbo e que foi às ruas pedir a volta da ditadura; é o país que viu um deputado fazer apologia ao comandante Ustra, no plenário da casa do povo. É o país que assiste atônito e inerte ao desmonte dos direitos sociais, previdenciários e trabalhistas sem, no entanto, levantar uma panela sequer. É um país comandado pelas forças espúrias da mídia. Que triste nação é esta marcada pelo fantasma da inação e entregue à própria sorte, escolhida e cultivada  ao longo de tantos anos de uma indecente falta de postura.

"Salvem a Amazônia. Matem um brasileiro". Temo que, muito em breve, vejamos esta como a única solução.

Mariana Lira

quinta-feira, 8 de junho de 2017

A urgência do tempo não me permite parar agora



Eu queria ficar muda. Tirar uma folga desse turbilhão que mora em mim. Mas escritores padecem com os personagens que adornam de cor, de dor e de confusão suas vidas obscuras e eremitas. A ideia era ficar out. Tem muita coisa acontecendo. Muitas verdades se repetindo. Muito passado me engolindo pelo pé. Esse passado, que de fato nunca passou, hoje me assola com sua presença combustível e gigantesca. Tirou-me do prumo, tirou-me do eixo.

Entenda. Não é que o presente não me apeteça. A questão é que a gente vai fazendo escolhas durante a vida e, quando se apercebe, criou um monstro o qual nos devora todas as manhãs, quando olhamos no espelho. A crueza dessa verdade é que, se pudéssemos, voltaríamos no tempo – cada um de nós -, e daríamos uns bons cascudos naqueles jovens que fizeram tanta merda em seus anos de ouro. Era tão fácil escolher o certo!! Mas a gente tem medo, não tem grana e nem peito pra enfrentar as consequências. Somos inconsequentes. Abestalhados mesmo.

Agora estou eu, de frente para um espelho que somente reflete a menina de 20 anos atrás. É perturbador, sabe?! É como se, de repente, eu pudesse dizer a ela o que e como fazer, por onde ir e aonde chegar. É uma liberdade tão grande que chega a amedrontar isso de poder refazer caminhos e tomar novos rumos. A verdade é que eu quero me livrar dessa culpa que me pesa os ombros há tantos anos.

Decidi, então, que não vou mais ficar calada. Sou boquirrota mesmo, pra quê mentir não é mesmo?! Não quero mais fugir, escapar, desviar o olhar e nem desabar frente as novas realidades as quais surgirão depois tanto furor. É preciso ser fortaleza, onda que bate na pedra, e de tanto bater, fura. Não vale a pena falsear esse tudo que existe dentro de mim. Não depois de tantos percalços.

O engraçado é que, de uma hora para outra, virei uma leoa. Creio que seja medo de perder um tempo maior ainda. Medo de encarar uma vida sem porquês, sem efeito, mas cheia de defeitos. Ando querendo sentir tudo na pele, na carne. Ando à flor da pele, como me lembra sempre o Zeca. Não quero digerir mais nada; a ideia é vomitar esse escárnio que me envenena a alma, envelhece as faces e bloqueia meus passos – os quais agora só querem correr.


Então, me desculpem se eu for grossa ou de repente parecer uma louca. A urgência do tempo não me permite parar agora. Agora eu só vou embora quando tudo terminar, quando esgotar-se completamente essa fonte de não sei o quê dentro de mim. Tal e qual um câncer, é preciso expurga-lo, purificar-me a alma e a existência. E dançar nesse ritmo até a música, enfim, acabar. Afinal, eu agora sei, nada nunca impede a vida de acontecer.