quinta-feira, 4 de junho de 2020

Meus olhos doem e tudo que eu queria era não estar aqui



Cansei. Cansei, mas não é de hoje. Faz tempo que eu acordo com os olhos doloridos, como se já tivesse visto coisas demais e não quisesse mais enxergar. Eu acordo e meus olhos doem. Hoje fazem 84 dias que estou em casa, tentando respeitar ao máximo o distanciamento social que, teoricamente, evita o contágio pelo novo coronavírus. Então, deduzo, meus olhos não doem por causa da luz do sol. Com certeza não é fotofobia. 
 
Meus olhos doem e eu sei que minha carência é de esperança. A esperança do Cortella, aquela do verbo “esperançar”. Parece que ela, aos poucos, mingua, definha em mim. A minha esperança neste país está morta e tudo que eu mais queria era simplesmente não estar aqui. Não, eu não queria estar nesse aqui e agora, onde tudo é caos e truculência. Onde a mentira ganhou espaço e parece comandar, com maestria, os rumos dessa nação desgovernada. A mentira tomou conta de tudo. 

Todos os dias quando eu acordo sinto que ela tenta, com furor, invadir a mim também. Tenho me questionado se quem acredita neste réquiem de morte e falácia vive com mais paz. Ignorância é felicidade, eles dizem. Será, então, que eles vivem com o coração pacificado e a mente branda? Será que a ignorância traz a felicidade que eu tanto busco? Tenho taquicardia e meus olhos doem. 

Dia após dia, eu convivo com essa avalanche de notícias hediondas. Pessoas morrem aos milhares de coronavírus; mais um negro é morto nos Estados Unidos; o movimento antirracista explode no mundo inteiro e ganha ares de grupo terrorista na boca falaciosa dos poderosos; Bolsonaro comete crime de responsabilidade; o Carlos mandou matar a Marielle?; Trump está nu – de corpo e de vergonha; o governo está militarizado; o presidente manda todo mundo tomar no c*; isolamento social é relaxado; mais um monte de gente adoece e morre de covid-19; Mourão desconstrói discursos coerentes; apoiadores do presidente ironizam a dor de milhões; fakenews, ovo da serpente; manda prender todo mundo, começando pelos vagabundos do STF. 

Meus olhos doem e tudo que eu queria era não estar aqui para ver tanto ódio.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Maturidade, Dinheiro, Sonhos, Cenouras e mais um mói de coisa nesse meu balaio de gato

"Quando eu era pequena
minha mãe me disse:
- Baby! Você vai se arrepender!
Pois o mundo lá fora
num segundo te devora
dito e feito, mas eu não
quis dar o braço a torcer"



Mainha estava certa: o mundo nos devora mesmo (principalmente o mundo de hoje, totalmente conectado, onde todos nós somos heavy users das redes sociais - escravos, eu ouso dizer). A vida tem me engolido, digerido vagarosamente como uma sorrateira e grande cobra que acaba de comer. Estou sendo digerida por ácidos muito tóxicos, os quais roubam tudo de mim, tudo o que sou.

Ok. Confesso. A culpa é toda minha. Tenho me descoberto (aposto que muita gente já sabia) uma pessoa, digamos, sem paciência. Sou impulsiva, adrenérgica, resoluta e pouco afeita a críticas. Mas, a que talvez seja a descoberta do século, é que eu sou uma pessoa ilimitável. Incrível como esse adjetivo de dois gêneros de repente me define inteira. Se me sinto presa, surto. Se me sinto tolhida, retruco. Se me sinto pressionada, apequeno. E nessa hora, se descuido, quase sumo.



Novamente de mãos atadas, tenho sentido vontades estranhas de consumir o mundo. Ser iconoclástica, desbravadora, ter liberdade para ser uma agora e outra, quem sabe, mais tarde. Às vezes olho pro meu marido e, num rompante, quase grito: vamos, amor! Vamos tomar picolé na chuva. Vamos cair na estrada, sem rumo, sem nada, e apenas sentir o frescor do vento em nossos rostos cansados. Eu e ele. Duas pessoas ilimitadas e aprisionadas no furor da roda da vida.

Deve estar uma delícia <3

Onde será que a minha estrada vai dar?

A verdade é que esse mundo não foi feito para pessoas ilimitadas. Ele te molda numa forma específica, te obriga a ser uma cópia industrializada e te senta a bunda numa cadeira dura, cercada de paredes escuras por todos os lados. E, pra pagar as contas, a gente se rende às oito horas diárias e à desconfiança alheia de gentes que não confiam na nossa capacidade.

Faz parte, eles dizem. E eu até tendo entender que é assim mesmo. Mas, será que faz parte ser diminuída? Será que faz parte sentir-se vigiada, observada, julgada, medida? Será que faz parte mesmo se acostumar com essas correntes traduzidas em palavras veladas? Será que vale a luta?



O mundo em que eu vivo não me permite duvidar dessa verdade (im)posta.Há contas para pagar. Há planos para viver, Há cenouras para serem penduradas em pequenas varinhas. Há a esperança de ser, enfim, liberta - quem sabe o dia.

Vai chegar o dia em que o mundo será meu. E ai, caro leitor, ninguém me segura.