Cansei. Cansei, mas não é de hoje. Faz tempo que eu acordo
com os olhos doloridos, como se já tivesse visto coisas demais e não quisesse
mais enxergar. Eu acordo e meus olhos doem. Hoje fazem 84 dias que estou em
casa, tentando respeitar ao máximo o distanciamento social que, teoricamente,
evita o contágio pelo novo coronavírus. Então, deduzo, meus olhos não doem por
causa da luz do sol. Com certeza não é fotofobia.
Meus olhos doem e eu sei que minha carência é de esperança.
A esperança do Cortella, aquela do verbo “esperançar”. Parece que ela, aos
poucos, mingua, definha em mim. A minha esperança neste país está morta e tudo
que eu mais queria era simplesmente não estar aqui. Não, eu não queria estar
nesse aqui e agora, onde tudo é caos e truculência. Onde a mentira ganhou espaço
e parece comandar, com maestria, os rumos dessa nação desgovernada. A mentira
tomou conta de tudo.
Todos os dias quando eu acordo sinto que ela tenta, com furor,
invadir a mim também. Tenho me questionado se quem acredita neste réquiem de
morte e falácia vive com mais paz. Ignorância é felicidade, eles dizem. Será,
então, que eles vivem com o coração pacificado e a mente branda? Será que a
ignorância traz a felicidade que eu tanto busco? Tenho taquicardia e meus olhos
doem.
Dia após dia, eu convivo com essa avalanche de notícias hediondas.
Pessoas morrem aos milhares de coronavírus; mais um negro é morto nos Estados
Unidos; o movimento antirracista explode no mundo inteiro e ganha ares de grupo
terrorista na boca falaciosa dos poderosos; Bolsonaro comete crime de
responsabilidade; o Carlos mandou matar a Marielle?; Trump está nu – de corpo e
de vergonha; o governo está militarizado; o presidente manda todo mundo tomar
no c*; isolamento social é relaxado; mais um monte de gente adoece e morre de
covid-19; Mourão desconstrói discursos coerentes; apoiadores do presidente ironizam
a dor de milhões; fakenews, ovo da serpente; manda prender todo mundo,
começando pelos vagabundos do STF.
Meus olhos doem e tudo que eu queria era não estar aqui para
ver tanto ódio.