sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

(Re) Nascendo

Você tem transado com o seu marido?!

Aquela pergunta, feita do outro lado da linha, me assolapou de pronto. Deixou-me em alerta para uma questão, que, até o momento, estava, digamos assim, em stand by. Subitamente eu respondi que sim! É claro!! Quem não transa com o marido?! Mas a verdade é que eu não transava com meu marido. Após o tão aguardado fim do resguardo, eu me encontrava no limbo - um embróglio danado entre a mulher que eu fora e a mãe que eu me tornara. Não, eu não transava com meu marido.

Transar, na minha humilde concepção, vai muito além do sexo. Começa numa troca desleixada de olhares. Na possibilidade de aproveitar uma oportunidade imperdível. No toque sôfrego dos corpos. Numa malemolência que vai se revestindo de vontade e, de repente, explode num sei lá o quê maravilhoso. A pequena morte de todos os dias.

Não, definitivamente, eu não transava com meu marido. Mas, pensando agora, como eu poderia? Depois de tornar-me mãe, olhar no espelho virou o grande dilema, a minha grande agonia. Nós, mulheres, quando nos dispomos a gestar, abrimos mão de um sem número de coisas. Tacitamente. "Bestamente". Cegamente, nos entregamos ao sonho dourado de dar vazão à vida. Entretanto, junto com o devaneio maternal, impulsionado por toda a propaganda com aquelas grávidas lindas, vem uma série de coisas com as quais nós simplesmente não contávamos.

Em menos de 1 ano, deixamos de ser as belas mulheres no auge dos trinta - independentes, charmosas, divertidas e cheias de sortilégios. Queremos enxergar isso quando a gravidez se vai, mas, no espelho, é outra mulher que nos mira. Uma mulher cansada, exausta, confusa, temerosa e cheia de vergonha de gritar ao mundo que - não! -, não era bem aquilo que era queria. Os primeiros momentos à frente do espelho são terríveis. Cabelos desgrenhados, peitos (geralmente) à mostra; sutiã bege, com alças largas; calçolão da vovó e um par de olheiras que, você jura, não estava ali. Quando meu filho, ainda um bebê, me fitava com seus grandes olhos castanhos pedindo para sorver-me o leite, eu me enxergava apenas como um par de peitos. Um grande, gordo e suculento par de peitos.

Como, então, alguém poderia conseguir transar assim? Por quê a transa, a transa de verdade, não depende só do homem, é claro. Depende da mulher conseguir sentir-se, na melhor das palavras, gostosa. E uma mulher recém-parida é tudo, menos gostosa.

Comecei a pensar nas tentativas horrendas de retomarmos a vida de casados no pós-parto. Aquela barriga, que não estava ali, começa a balançar e você se constrange; o bebê, que geralmente dorme no quarto dos pais, parece ameaçar, silenciosamente, acordar a qualquer momento. Não há aceite interno que permita o momento fluir. E tudo termina como começou - estranho, rápido e sem gosto.

Depois de três anos de "parida" eu formulei uma teoria. Creio firmemente que, após a gestação, inicia-se um outro período gestacional. Mais longo, mais dolorido e muito mais profundo. A mãe, que nasceu junto com o filho, começa a gestar a nova mulher a qual nascerá da junção de todas as experiências. Uma mulher mais "sabida" das coisas, em sintonia com o próprio corpo e que, de repente, toma as rédeas da situação.

Após a gestação da gestação, a mulher recomeça a transar. Transar com a vida, consigo mesmo, com o parceiro. E reaprende a explodir seus anseios, a lidar com seus medos, a respeitar os limites do seu corpo. Nasce uma mulher-mulher, que é mãe nas horas vagas. No (re)nascimento da mulher, (re)nasce, também, um homem, um casamento, uma vida.

E se a amiga me perguntasse hoje: você já transou com seu marido?

Mas é claro, querida!

(Mariana Lira)

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