sábado, 17 de fevereiro de 2018

Cinderela, o conto da carochinha e o monstro do nunca ser feliz.


CINDERELA, O CONTO DA CAROCHINHA E O MONSTRO DO NUNCA SER FELIZ

Era uma vez, num mundo adoecido pela indiferença, uma geração de mulheres criada sob a égide de falsas promessas. Todas elas – em maior ou menor grau -, cresceram ouvindo o conto da carochinha sobre uma vida sem qualquer magia ou graça, caso não possuíssem três elementos fundamentais: beleza extrema (ditada por um padrão inatingível); doçura agigantada (sem poder reclamar de nada – deveriam viver sempre sorrindo); e um homem o qual quisesse amá-las e salvá-las das bruxas más ao longo da vida (pois elas mesmas, sozinhas, jamais seriam capazes de tamanho feito). E, assim, criou-se uma horda de mulheres com a autoestima abalada e sem a real noção acerca da própria força.
Seria um (estranho) enredo de contos de fada caso não fosse a verdade nua e crua. As meninas nascidas nos idos dos 1970/1980 foram criadas sonhando em ser as princesas da Disney e, assim, quem sabe um dia, ser salvas por príncipes másculos, os quais transformariam suas vidas: as tirariam de calabouços; as despertariam de um sono profundo; as salvariam de dragões medonhos; as protegeriam dos monstros da floresta escura. As estórias, cada uma delas, malevolamente, davam conta de mulheres muito frágeis, desprovidas de força interior e, na maioria das vezes, sem qualquer personalidade. Existiam apenas para serem salvas. Depois disso…. bom, depois disso elas seriam felizes para sempre.
É o que a Psicóloga e Escritora Colette Dowling chamou de “Complexo de Cinderela”, em seu livro homônimo (editora Melhoramentos), na tentativa de explicar e compreender o número enorme de mulheres infelizes que se multiplica, em proporções geométricas, ao redor do mundo. Todas elas, com idades entre 30 e 50 anos, parecem sofrer de uma infelicidade generalizada, a qual Colette atribuiu à uma educação castradora, voltada para a dependência do outro. Depressão é uma constante. Assim como também o é um profundo desalento quanto a própria imagem refletida no espelho. Muitas se perguntam secretamente o que fizeram de errado: namoraram, foram gentis com marido, sogra, cunhada, papagaios; encontraram um ofício e o tal príncipe; casaram-se vestidas de princesas. Mantiveram o status e a beleza. Depois esperaram fervorosamente pelo “felizes para sempre” que, de fato, nunca veio.
Acontece que os autores dos famigerados contos de fada esqueceram-se de preencher lacunas importantes. Deixaram de esclarecer, por exemplo, a desnecessidade da vida ser uma espera interminável pelo mágico salvamento; não mencionaram que, além do matrimonio, há muito mais para ser vivido: festas, viagens, novos trabalhos. Negligenciaram a verdade da nossa passagem por aqui: a existência precisa ser vivida sem muitas expectativas, sendo urgente se aproveitar o momento, sem acreditar na máxima do “felizes para sempre”.
As tais fábulas nem mesmo explicaram que os tais príncipes nem eram tão encantados assim (não poderiam ser, coitados!): eles nem sempre seriam gentis, educados e corteses; muitas vezes magoariam aquele coração o qual tanto se guardara para ele; iriam arrotar e peidar bem nas faces apaixonadas de suas amadas; esquecer da data do casamento e, na pior das hipóteses, procurar outra princesa. Depois do “enfim sós” não havia a prometida felicidade eterna. Somente um terreno desconhecido, repleto de obstáculos para os quais aquelas mulheres simplesmente não estavam preparadas.
O resultado de tanta insatisfação com este depois pode ser constatado, por exemplo, na alta taxa de divórcios (que, em 2015, cresceu impressionantes 160%!) e, infelizmente, no índice alarmante de suicídios entre as mulheres – responsável pela morte de 2.5 mulheres a cada 100 mil habitantes. Foi o que concluiu Dayse Miranda, Pós-doutora em ciências políticas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ela ainda descobriu que o suicídio feminino é precedido por mutilações corporais, as quais denunciam uma autopunição pelo excesso de cobranças da sociedade – é preciso ser uma mulher perfeita, uma mãe zelosa, uma dona de casa resoluta, uma esposa versátil, uma trabalhadora incansável e ainda conservar-se bonita e feliz o tempo todo (ufa!!). Não é de se espantar que tantas estejam preferindo dar cabo da própria existência.
Eu sou uma dessas mulheres-cinderela. Sofri durante muito tempo com expectativas que, à época, eu nem mesmo sabia não serem minhas. Acreditei por anos a fio que minha infelicidade seria resolvida com o casamento certo, pelas mãos do príncipe dos sonhos. Entretanto, como era de se esperar, eu me perdi no depois. Não entendia como a maternidade poderia ser tão dura – perdi o corpo o qual sempre fiz tanto esforço em manter -; meu emprego não era divertido, nem o salário dava pra pagar todas as contas; e o marido estava longe de ser encantado. Eu fui uma dessas mulheres a qual chegou a cogitar o suicídio e só não o fiz por ter sabido pedir ajuda quando estava prestes a desistir de tudo. Eu gritei em desespero e o mundo – ainda bem! -, ouviu meu chamado.
O meu apelo é para as meninas de hoje – pois tenho percebido um retorno perigoso desses (teoricamente) inofensivos contos de fada. Maliciosamente, eles foram transformados em filmes, estrelados por mulheres reais – creio eu, na tentativa de frear o processo de empoderamento feminino que, a galope, já começa a nos ultrapassar. Eu digo a vocês: não existe um felizes para sempre! A vida acontece a cada minuto, justo neste instante enquanto eu escrevo essas linhas tortas ou você as lê, no escuro do seu quarto, na faculdade, no parque ou onde quer que esteja. Você não precisa ser salva! Cada mulher é uma grande fortaleza, com ferramentas capazes de derrotar madrastas malvadas, bruxas assustadoras e dragões horrendos. O príncipe (ou princesa) também está morrendo de medo – salvem-se mutuamente! A beleza está na individualidade e nas peculiaridades de cada um – ame-se, adore-se, cuide-se! E mande docemente se lascar quem quiser lhe impor um padrão o qual não cabe em você. Seja feliz, menina! E viva!

(Mariana Lira - para o site "Vigor Frágil"  
http://www.vigorfragil.com.br/2018/02/06/cinderela-o-conto-da-carochinha-e-o-monstro-do-nunca-ser-feliz/#a-comments)

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